Por Valderílio Feijó Azevedo e Roberto Pecoits-Filho
Biossimilares são medicamentos que pretendem ser cópias de medicações biológicas. A comercialização dos bioterapêuticos similares tem se tornado oportuna em diversos países devido à queda de patente dos medicamentos biológicos originais ou inovadores. No Brasil, as vias para a aprovação dos biossimilares tenderam, ao longo dos anos, a serem facilitadas, atreladas à alegação de que seus preços são inferiores aos das moléculas inovadoras e, ainda, pelo fato de o Ministério da Saúde ser o principal comprador dessas medicações.
Apesar disso, a experiência clínica brasileira com biossimilares aprovados nacionalmente não pode ser considerada satisfatória. As exigências para estudos clínicos adequadamente realizados e com número suficiente de pacientes para comprovar a eficácia e efetividade dessas moléculas (quando comparadas às exigências de pesquisas clínicas já estruturadas para os biológicos inovadores) têm sido muito fracas até o momento. Tal panorama ficou em evidência durante as discussões do I Fórum Nacional de Biossimilares, realizado em Curitiba-PR, no dia 13 novembro. O evento contou com a presença de diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros, além de representantes de várias entidades de pacientes, indústria farmacêutica e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O objetivo do evento foi basicamente educacional e pretendeu discutir problemas e demandas referentes à comercialização de biossimilares no mercado farmacêutico nacional. A maior parte dos pesquisadores concordou que a aprovação da comercialização de produtos biosimilares sem a realização de estudos clínicos de boa qualidade representa uma verdadeira ameaça a pacientes. Os medicamentos biológicos diferem entre si em complexidade e, sobretudo, não podem ser aprovados todos da mesma forma ou com o mesmo critério usados para remédios sintéticos genéricos.
Estudos recentes demonstraram que boa parte dos profissionais que indicam medicações biológicas não entendem perfeitamente os riscos inerentes à má prescrição dessas moléculas e que o principal problema relacionado à segurança de um biossimilar é a sua imunogenicidade. A imunogenicidade bem como a eficácia de um bioterapêutico similar só podem ser adequadamente avaliadas a partir de rigorosos ensaios clínicos realizados antes da sua aprovação e de um sistema de farmacovigilância estabelecido após a comercialização do produto – o que não tem acontecido, de forma efetiva, no cenário brasileiro.
O caso dos interferons mais baratos - produzidos por Coréia, Cuba e Argentina e autorizados no Brasil para o tratamento da hepatite C, em substituição ao Intron-A e ao Roferon - foi amplamente discutido. O efeito terapêutico inferior de biossimilares destas moléculas foi demonstrado com o tempo, após a autorização. O que deveria resultar em uma economia, na verdade, levou a despesas adicionais. Muitos pacientes que usaram tais medicamentos precisaram ser retratados com interferon peguilado por 48 semanas.
Um caso de grande impacto discutido foi o das eritropoietinas fabricadas com tecnologia cubana em parceria com um laboratório oficial, em programa. A eritropoietina cubana é de fato muito mais barata que as eritropoietinas inovadoras mas chama a atenção a fragilidade científica dos estudos que baseiam o processo de introdução do produto no mercado. Dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia e estudos independentes de centros de diálise brasileiros chamam a atenção de que o número de pacientes em diálise utilizando eritropoietina e que não alcançam os alvos de correção da anemia chega a 40%. Há uma percepção na prática clínica de que a dose de EPO necessária para exercer o mesmo efeito com o biossimilar seja mais alta do que a utilizada de medicações de marca.
Além disso, o fato do governo fabricar e distribuir gratuitamente as eritropoietinas biossimilares, fez com que o mercado privado praticamente desaparecesse. A indústria farmacêutica perdeu o interesse em investir no Brasil trazendo novas medicações já usadas na Europa e nos Estados Unidos e comprovadamente superiores as primeiras eritropoetinas, pois a política de medicamentos oficial impede uma prática de mercado adequada . Muitos pacientes renais estão sendo tratados com medicamentos praticamente obsoletos e a nova geração de biomoléculas provavelmente não será lançada no Brasil.
A Anvisa realizou uma consulta pública (49/2010), a qual sugeriu que os medicamentos biológicos possam ser registrados como biossimilares - por vias de comparabilidade ou da não-inferioridade. Contudo, a atual terminologia empregada pela agência reguladora brasileira pode ser considerada confusa, pois classifica como medicamento biológico novo os produtos inovadores (matrizes mais antigas no mercado) e como medicamentos biológicos as cópias, que pretendem ser similares aos biológicos inovadores.
Baseando-se nas experiências já existentes no país e sabedores de que nos próximos meses surgirá a oportunidade para a entrada de biossimilares de outras conhecidas medicações que fazem parte do arsenal terapêutico da oncologia e de outras especialidades clínicas, a comunidade científica passa a se mobilizar para criar mecanismos que aumentem a transparência do governo na aprovação desses produtos.
Prof.Valderilio Feijó Azevedo
MD, Professor de Reumatologia da UFPR
Membro do GRAPPA e EUSTAR
Coordenador do I Fórum Brasileiro de Biossimilares
Prof. Roberto Pecoits-Filho, MD, PhD
Coordenador da Pós Graduação em Ciências da Saúce-PUCPr
Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia
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