Falando sobre o déficit da balança comercial do setor de medicamentos, o representante da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), que reúne as multinacionais do setor com atuação no Brasil, Pedro Bernardo, disse que a falta de competitividade no setor não é das empresas, mas do País. "O problema começa quando sai de dentro da fábrica: na competitividade industrial e na competitividade macroeconômica. O custo Brasil é uma realidade", declarou. "Hoje, sabe-se que a maioria dos medicamentos sintéticos virou commodity, e os preços são muito mais baixos na China. Então, qualquer empresário zeloso pelo seu negócio vai fazer a conta e dizer: é melhor importar da China."
Bernando menciou ainda o PIS-Cofins como um tributo "contra a inovação", por incidir especialmente sobre medicamentos recém-lançados no mercado, que ainda não tiveram tempo de ser incluídos nas listas de isenção elaboradas pelo governo.
Biodiversidade
"Existe um quadro de descrédito, por parte dos pesquisadores, em continuar trabalhando com plantas brasileiras", disse o moderador do painel realizado a respeito do uso da biodiversidade nacional, Roberto Soares de Moura, reitor do Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo), do Rio de Janeiro. Mais cedo, durante a sessão de abertura do ENIFarMed, a represente da ABDI já havia mencionado a questão do acesso à biodiversidade como uma das principais dificuldades no caminho da inovação tecnológica no Brasil.
Entre os problemas mencionados estão as pesadas multas previstas na legislação atual, de até R$ 50 milhões, e a indefinição dos critérios para a repartição dos benefícios da prospecção da biodiversidade com as comunidades tradicionais, onde o conhecimento original sobre a utilidade de determinado material biológico teria sido obtido.
Reportagem recente do jornal O Globo noticiava a autuação de mais de 30 empresas, num valor total de R$ 88 milhões, pelo Ibama, por "usarem recursos nativos sem repartir corretamente os lucros com as localidades de onde são extraídos", segundo o texto do diário carioca. Participante do ENIFarMed, a coordenadora de Gestão Tecnológica da Fiocruz, Maria Celeste Emerick, citou a presença do conceito de "patrimônio genético" na legislação brasileira sobre biodiversidade como mais um entrave à pesquisa, já que sua enorme abrangência - pode, por exemplo, incluir produtos que usam material genético humano, como vacinas comuns - gera grande insegurança jurídica.
A fundadora da consultoria Exceed Americas, Regina Visani, que organizou uma sessão sobre a Amazônia durante a BIO 2012 - convenção internacional de negócios do setor de biotecnologia, realizada em Boston (EUA) - também citou o ambiente regulatório brasileiro sobre biodiversidade como um obstáculo ao crescimento do País no setor, um impedimento para a atração de investidores estrangeiros e uma séria desvantagem competitiva, já que plantas e animais amazônicos também existem em países onde a questão é menos burocratizada, como a Colômbia.
Na plenária nacional do evento, a representante da Agência Nacional de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Maria Luísa Campos Machado Leal, disse que a questão regulatória representa um "enorme desafio". "Além de todos os desafios que a gente tem na inovação, na produção, a gente ainda tem a regulação funcionando, muitas vezes, como mais um problema." Mais cedo, a sessão de abertura, ela havia afirmado que a lei atual de acesso à biodiversidade "acaba sendo um peso muito grande, um risco muito grande" para o empresário.
Ao contrário de outros órgãos do governo representados no evento, como o BNDES, o Ministério da Saúde e a Anvisa, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente não tomaram parte no ENIFarMed.
Testes clínicos
Outra fonte de dificuldades geradas pelo Estado, criticada por participantes do encontro da indústria de fármacos e medicamentos, é os sistema brasileiro de aprovação de testes clínicos em seres humanos, necessários para determinar a segurança e a eficácia de novos medicamentos.
O consultor João Massud Filho apresentou um quadro com os prazos para a aprovação ética de propostas de pesquisas clínicas em vários países. Enquanto nos Estados Unidos a decisão é tomada em cerca de três meses e, na China, em um ano, no Brasil a espera vai de dez a 14 meses. Entre outras importantes economias da América Latina, a Argentina tem uma demora de seis meses e o México, de três a quatro meses.
De acordo com Massud, as dificuldades burocráticas, além de afastar investidores do País - já que muitos testes clínicos deixam de ser realizados aqui - também têm impacto na saúde pública, uma vez que os remédios usados no País acabam, em sua maioria, sendo produtos testados em populações com características diferentes da brasileira.
"A questão da ética em pesquisa é uma frente que a gente vai ter que tratar com muita responsabilidade", havia reconhecido, durante a plenária nacional do ENIFarMed, realizada um dia antes da palestra de Massud, o secretário Carlos Gadelha, do Ministério da Saúde. "A gente tem que mostrar que é possível ter uma pesquisa comprometida com a ética e que ao mesmo tempo seja dinâmica. É um problema ético ser dependente de pesquisa clínica e não conseguir fazer as pesquisas desenhadas no próprio País". Ele afirmou, no entanto, que a discussão a respeito já "está avançada".
Anvisa e compras públicas
Gadelha disse que é preciso que a regulação tenha uma postura pró-ativa e que o governo "use o regulatório a favor da competitividade brasileira". Um exemplo dado de avanço nesse sentido foi a inclusão da preocupação com o desenvolvimento econômico na missão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com o representante da agência na plenária, Norberto Rech, isso não significa flexibilizar o marco regulatório, mas "aplicar o marco com bom senso e na hora certa", o que vem trazendo uma redução de até 60% nos prazos regulatórios. Segundo ele, embora seja um órgão eminentemente técnico, a Anvisa não pode agir num vácuo, sem levar em consideração os interesses estratégicos do governo.
O secretário Gadelha citou, como exemplo de avanço no apoio do Estado à inovação, o sistema de compras públicas para a área de saúde, que segundo ele dá preferência a produtos de conteúdo nacional e alta densidade tecnológica. "Há um gradiente de margem de preferência que obedece à complexidade tecnológica, com a gente casando a política para beneficiar a produção no Brasil e, ao mesmo tempo, a transformação produtiva."
Integração e estratégia
De acordo com ele, já se avançou muito no governo em termos de integração de ações entre vários órgãos e ministérios para o estímulo ao desenvolvimento tecnológico, embora ainda haja espaço para melhorar.
No painel sobre biofármacos, o diretor do BNDES, Pedro Palmeira, disse que o "governo já vem fazendo, e bastante" pelo setor de biotecnologia aplicada à área farmacêutica, lembrando que as duas grandes joint-ventures nacionais privadas criadas para explorar esse campo, Bionovis e Orygen, são fruto de "uma ideia nascida na mesa de trabalho" do banco estatal. "É um conceito que nasceu ali".
Frente à cobrança por mais "ousadia" dos agentes públicos, Palmeira fez a seguinte ponderação: "Na iniciativa privada, correr risco talvez represente perder o emprego, perder alguns milhões. No serviço público, significa poder ser preso". Mas complementou: "Isso não nos dá desculpa de deitar em berço esplêndido e não fazer nada".
Fonte: Inovação Unicamp
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