Paraná retém R$ 386 milhões da ciência
Governo deixou de aplicar um terço da verba prevista para investimento em pesquisa científica nos últimos dez anos, segundo o TCE
Por lei, R$ 1,1 bilhão deveria ter sido investido pelo governo estadual nos últimos dez anos em pesquisas capazes de elevar o patamar científico e tecnológico do Paraná. Mas ao menos R$ 386 milhões não chegaram ao destino certo – sem contar os recursos destinados a projetos duvidosos. Relatório divulgado na semana passada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) indica que a prática recorrente na gestão anterior foi mantida na atual administração: em 2011, chegaram R$ 58 milhões a menos do que deveria na área de pesquisa.
Investimento em inovação é fundamental
Belmiro Valverde Jobim Castor, que é professor do doutorado em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, assegura que o investimento em pesquisa tecnológica é um dos mais importantes que o governo pode fazer. “Incentivar a inovação, que é uma área em que há risco inerente de erro, é um setor em que o governo deve atuar.” Ter mais recursos para a pesquisa tecnológica representaria a possibilidade de promover uma revolução na economia paranaense. “Não dá para passar a vida inteira exportando matérias-primas.”
O vice-presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana, Valdyr Perrini, destaca que poucos professores conseguem se dedicar à pesquisa nas universidades particulares. Nesse sentido, os recursos do Fundo Paraná poderiam fazer a diferença. Perrini acredita que não chegam a 100 os docentes que se dedicam à pesquisa dentre os 6 mil professores de instituições privadas.
Verba deveria ir para as áreas estratégicas, diz especialista
O pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sérgio Scheer, lamenta a falta de recursos no setor. “Fazemos menos porque temos menos laboratórios, equipamentos, bolsas, pessoas trabalhando e, assim, temos menos pesquisa”, resume. Ele comenta que as instituições estaduais acabam usando a verba destinada a pesquisa para suplementação de despesas usuais. “É como se dissessem: não tenho de onde tirar dinheiro, então vamos usar essa verba mesmo.”
Ele defende a aplicação dos recursos em áreas estratégicas. “Se estão faltando pesquisas sobre a produção de cana de açúcar, por exemplo, o governo pode induzir isso através de fomento nessa área”, explica. Os governos federal e de São Paulo, que são referências nacionais, agem desta maneira. Para Scheer, destinar recursos para áreas estratégicas está dentro do que se espera de um governo, que é induzir o desenvolvimento.
O pró-reitor acredita ainda que a forma mais justa de distribuição de recursos seria por meio de edital. Assim, seria publicado em um site de amplo acesso público que existem verbas disponíveis para uma determinada área de pesquisa e os profissionais que têm conhecimento específico sobre o assunto se candidatariam para receber o recurso. O último edital divulgado no endereço eletrônico da Secretaria da Ciência e Tecnologia do Paraná é de 2009.
Números
• R$ 1,1 bilhão é equivalente ao que é gasto por ano nas sete instituições estaduais de ensino superior do Paraná, que abrigam 70 mil estudantes e 13 mil funcionários, entre professores e técnicos.
• 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) é aplicado em pesquisas no Brasil. Do valor, metade é do governo. Nos países mais desenvolvidos, o porcentual é de 2% e a maior parte vem da iniciativa privada.
• 13.ª posição é ocupada pelo Brasil no ranking mundial de investimento em produção científica. Contudo, o país está apenas em 47º lugar entre os mais inovadores, sinal de que muito do que é pesquisado não se transforma em produtos, patentes etc.
A Constituição estadual determina que 2% das receitas de impostos sejam destinados à área de ciência e tecnologia (veja no quadro ao lado como deve ser a distribuição do dinheiro). O gerenciamento da maior parte do recurso cabe à Unidade Gestora do Fundo Paraná (UGF). “Já avançamos e estamos nos adequando à legislação”, garante Gérson Koch, coordenador-geral da UGF. De acordo com a legislação, a Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) é que deveria gerenciar os recursos. Contudo, os valores estão sendo controlados pela Secretaria de Estado da Fazenda.
Todo fundo deve ter uma conta bancária própria – para que os recursos não se misturem com outras verbas públicas –, mas só há alguns meses é que o Fundo Paraná ganhou uma conta específica. Os depósitos no fundo também deveriam ser mensais, mas têm ocorrido somente quando é encaminhado um pedido de pagamento. Além disso, parte do que deve financiar pesquisa acabou sendo destinado para complementar salários de funcionários públicos e virou pagamento de adicional por Tempo Integral de Dedicação Exclusiva (Tide).
Como funciona
Em três salas do prédio da Seti, em Curitiba, ficam os 12 funcionários responsáveis por analisar os pedidos de investimentos em pesquisa. O dinheiro deveria ser aplicado em iniciativas relevantes, inovadoras, que levem a avanços tecnológicos. Projetos que já se arrastam por muitos anos sem apresentar resultados, propostas que eram mais assistenciais ou extensionistas e pedidos relacionados a compra de equipamentos sem relação direta com a necessidade para o desenvolvimento de pesquisas estão sendo reavaliados e, muitos, cancelados.
No ano passado, os pedidos somaram R$ 144 milhões, mas foram aprovadas propostas que juntas chegaram a R$ 53 milhões. O dinheiro vai sendo liberado a medida que são apresentadas comprovações do bom uso e da necessidade. Assim, apenas R$ 11 milhões foram efetivamente repassados aos pesquisadores em 2011. O restante ficou em caixa, reservado, para parcelas futuras. A maior parte da verba foi para instituições estaduais de ensino superior. “Havia o hábito de usar os recursos na manutenção das universidades e até na construção de prédios”, justifica Koch. O dinheiro não é destinado a pesquisadores – somente a instituições de pesquisa.
No último dia 25, a Gazeta do Povo pediu acesso à listagem de projetos aprovados nos últimos meses, mas a informação não foi repassada pela Seti até o fechamento desta edição. O objetivo do jornal era dar transparência às informações, disponibilizando a lista para consulta pública na internet.
FONTE: GAZETA DO POVO
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